sexta-feira, 9 de março de 2007

O CONSUMISMO CULTURAL

Sabe-se que vivemos na era do consumo. E para muitos, o consumo desenfreado é mau, porque desperdiça recursos, destrói o ambiente, fomenta o capitalismo selvagem, promove a superficialidade e o materialismo...

Com uma invisível excepção toda a gente é a favor do consumismo cultural.

Clicando pelos blogs, vê-se muita gente a qualificar livros, CDs, DVDs de "imprescindíveis", a ufanarem-se de "já tenho o meu exemplar", a lamentarem-se da falta de dinheiro para comprar mais livros, CDs, DVDs ou de espaço para os guardarem em casa, a referirem repetidas visitas a lojas ou megastores do ramo, a confessarem-se "bibliófilos", "cinéfilos", "melómanos". E há blogs exclusivamente sobre livros, sobre música, sobre cinema. E isto aos milhares por semana.

Inversamente, quantos posts há elogiando o bacalhau demolhado da Noruega? Quantos blogs há sobre cervejas ou carros? Quantos confessam perderem a cabeça no Pingo Doce? Quem foi a última pessoa que ouviram dizer com orgulho que era "atunófila"?

Não que eu queira negar aqui o prazer de ler um bom livro, ouvir boa música, ver bons filmes, mas porque é que o consumo desenfreado de livros (muitos dos quais, provavelmente, nunca serão lidos) é motivo de vaidade e o consumo desenfreado de toalhas de banho é um embaraço?

E, no meio de tantas preocupações ecológicas, porque é que não se ouve falar do consumo de recursos naturais que estas indústrias implicam? Alguma vez alguém deixou de comprar um livro pelas árvores e água que destrói e os químicos que contém? E, no entanto, a indústria do papel é a quinta maior consumidora de energia do mundo, a maior consumidora de água e usa numerosos químicos poluentes para branquear e tornar mais macio o papel.

Pois é, parece que o prestígio cultural e civilizacional, a "elevação espiritual" legítima alguns "consumismos desenfreados". No entanto, muitos livros não passam de ideias e palavras recauchutadas de outros livros, muitos filmes servem apenas para acompanhar com pipocas ou satisfazer egos e há músicas que estão ao nível de trauteios de duche.

Porque, por muito que gostemos da arte, isso não pode servir para desculpar ou fingir que por trás não existe uma indústria.
Publicado por Jorge Palinhos, dia 25 de Novembro

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